sexta-feira, 18 de julho de 2014

O trauma de Spielberg


Antes de mais: sim, o tema tem a ver com macrofotografia. Leia até ao fim e entenda!

Eu era criança quando fui ver ao cinema o filme Tubarão de Steven Spielberg. Esta película causou à minha geração um irracional pavor dos tubarões, sejam da espécie que for.

Os anos passaram e apesar de ainda existir um natural respeito por este animal, a sensação de repulsa foi gradualmente se transformando em admiração. Dos tempos em que preferia vê-lo extinto, aprendi que a sua existência é  fundamental para um ecossistema equilibrado. Consumi inúmeros documentários que foram me mostrando que o “grande assassino” é na verdade um “grande amigo” e que causa menos mortes ao nível planetário (cerca de 50 por ano) do que, imaginem, os búfalos (cerca de 200 por ano). Sim, isso mesmo, búfalos, ou seja, estes herbívoros matam 4 vezes mais humanos que os “temíveis” tubarões…

Passemos dos tubarões para as aranhas e escorpiões: a analogia aplica-se da mesma forma, o medo e o nojo dos aracnídeos e escorpiões vêm do desconhecimento, do mito cultural ancestral de “animais venenosos e sorrateiros que estão sempre dispostos a nos atacar ou nos prender nas suas teias para servirmos de refeição”. Uma alegoria que foi amplamente e infelizmente potenciada no último século pelos filmes de Hollywood como o Arachnophobia. É uma pena que de uma forma geral as pessoas não se apercebam que nada disso é real. Que as aranhas não querem nada com as pessoas, fogem delas. Para além disso há que reconhecer a sua vital função no controlo de pragas. Os eventuais ataques aos humanos têm a ver quase sempre com a autodefesa, do tipo defender-se de alguém que as pisa com o pé descalço. A média de mortes em todo o mundo causadas pelas mordidas das aranhas é menor que 10 por ano.

Por isso os documentários desempenham aqui a tarefa de esclarecimento. Não digo que as fotos que eu e os meus colegas “macros” fazemos, sobretudo às aranhas, ensinem alguma coisa de valor científico, não são documentários, mas é um facto que mostrar estes animais em belos registos fotográficos, condimentado com alguma informação que vamos colhendo aqui e ali, ajudam a desconstruir o ancestral receio que as pessoas têm destes animais. Não é raro ouvir de alguns amigos que já não olham para estes animais com a mesma repulsa de antes, um pouco, dizem eles, graças à avalancha de fotos que lhes vou impingindo no facebook. Comentário de um amigo: “Se encontrava uma aranha na casa de banho, matava-a de imediato. Hoje já não reajo desta forma, apanho-as e coloco-as vivas no jardim, compreendi que são criaturas fascinantes apenas por poder observá-las de perto”.

Claro que isso não é conhecimento no sentido clássico, mas é informação visual. E a informação é o primeiro passo que pode levar ao conhecimento. Na medida do possível acrescento alguns comentários como “as aranhas não são agressivas e são úteis no controlo das pragas”, “usam o veneno para caçar e nós não estamos no cardápio”, “das aranhas existentes em território português, uma eventual mordida de autodefesa, com exceção da Latrodectus (Viuva-negra) da Loxosceles (Aranha violino), ou seja, apenas duas espécies entre milhares, não costuma doer mais que a picada de uma abelha”, etc.

É possível que possamos aprender alguma coisa com os documentários ou com meras fotos macros. Não nos tornamos biólogos, é certo, mas adquirimos algum conhecimento que pode ajudar a compreender melhor o nosso mundo e a desmistificar falsos pressupostos que acabam por disseminar o “trauma de Steven Spielberg”.


© Paulo Torck - Julho de 2014