quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

A “arte” na macrofotografia

Vi recentemente uma macro de um conhecido fotógrafo estrangeiro num registo muito diferente daquele que havia nos habituado: reflexos pronunciados, profundidade de campo mal escolhida, enquadramento desequilibrado, entre outros erros básicos, não condiziam com o histórico de quem sempre foi perfeccionista na execução dos fundamentos técnicos da fotografia. O estilo pouco habitual na iluminação, mais sombria, pode indicar que a sua intenção teria sido a de realizar uma obra com algum valor artístico, o que inviabiliza de certa forma uma avaliação mais formal.

Temos então um fotógrafo reconhecidamente competente, experiente, com um vasto portfolio de fotografias tecnicamente impecáveis e que em dado momento apresenta um trabalho com uma proposta diferente em termos de estilo e técnica. Terá mudado de equipamento e ainda não se habituado? Não será da sua autoria a tal foto? Terá sido feita após uns copos? Ou estamos a ver apenas o início de um novo estilo "artístico"?

Este episódio fez-me pensar nos pintores de arte que passaram por um percurso de aprendizagem das técnicas básicas de pintura e composição antes de produzirem obras do abstracionismo. Ou seja, uma vez tecnicamente formados, os pintores puderam exercer o legítimo direito da rúbrica artística em subverter ou ignorar as regras para criar algo novo. Da mesma forma, analogamente, seria lícito aos fotógrafos poderem produzir macros artísticas onde as regras fotográficas não são relevantes?

Para não divagar num tema demasiado complexo, vamos focar na seguinte questão: é ou não necessário possuir formação básica das técnicas fotográficas para se produzir uma obra artística?

Sem dúvida que é um tema polémico porque existem defensores do “sim, é necessário” – há que dominar a técnica para produzir arte - e existem os defensores do “não é necessário” - porque a arte permite que a obra possa ser vista sem vínculo com o seu autor, ou seja, ter um valor implícito, independentemente de quem a fez e como a fez. E não menos polémica é a opinião de que para alguém ser rotulado como “artista” deve dominar a técnica para melhor poder se expressar…

Passando ao lado da polémica, parece óbvio que se temos uma ideia por expressar, o domínio da técnica poderá contribuir para uma melhor execução da obra artística.

“Considero que domino a técnica fotográfica, agora quero ser diferente, ter um estilo, fazer arte”. 

Produzir arte é uma ambição legítima e bastante frequente, mas pouco concretizada, seja por receio das críticas, por vergonha do título pomposo/pretensioso ou por se considerar inapto artisticamente. Francamente, sugiro a todos que tenham esta vontade que deixem de inibições e ponham-se a fazer o que acham que são capazes. Não há necessidade de por a prova as suas vocações artísticas, a arte devia existir sobretudo para agradar o seu autor. Se tem dentro de si este "chamamento" artístico, o melhor é meter mãos a obra e se expressar, sem rodeios ou preconceitos.

"Mas afinal o que pode ser considerado arte na macrofotografia?"

Infelizmente não tenho a resposta para isso porque o próprio conceito de arte não permite balizas ou definições. Ninguém neste planeta está credenciado para ostentar o carimbo de “obra artística”, esta é, estão não é. Aliás, a própria inexistência de parâmetros não só impede que uma obra artística seja avaliada como tecnicamente correcta ou deficiente como também impossibilita classificá-la como obra artística, por mais paradoxal que isso pareça. Por isso, se tem o desejo de produzir arte com as suas macros, devia fazê-lo sem receios. Poucos elogios, incompreensão, dúvidas, estranheza, chacota e outras reacções menos agradáveis não deviam coibir a decisão de seguir em frente porque a arte nem sempre é feita para ser agradável ou facilmente digerida.

“Fotos macros artísticas têm valor?”

Valor para quem?
- Para os fotógrafos em geral? Talvez sim, talvez não, talvez achem “piada”.
- Para os biólogos acostumados a documentar pequenas criaturas? Talvez sim, talvez não, talvez achem “piada”.
- Para pessoas acostumadas a lidar com arte? Talvez sim, talvez não, talvez achem “piada”.
- Para a malta das redes sociais? Talvez sim, talvez não, talvez achem “piada”.

O “valor” é relativo ao público que consome a sua obra. Mesmo assim podemos constatar que, tendo em consideração apenas a receptividade global de sites fotográficos e redes sociais, as macros mais originais e criativas, que diferem do registo vulgar próximo ao documental, costumam obter grande aceitação.

Analisemos, a título de exemplo, este “Melhor Macro 2013” atribuído ao Kristian Potoma pela 1x.com:

© Kristian Potoma
© Kristian Potoma
Claramente enquadrada no âmbito artístico, a beleza desta composição agrada leigos e especialistas, de tal forma que recebeu o prémio de melhor macro do ano num dos sites fotográficos mais respeitados do universo online. Todavia, se fosse publicada em fóruns fotográficos como o fotografia@net ou MacrofotografiaPortugal provavelmente seria alvo de críticas específicas como o corte desnecessário das folhas, desequilibro na composição, reflexos pronunciados, falta de magnificação, etc. Se tal facto ocorresse, estou certo que pouco ou nada iria mudar a opinião de quem elegeu a foto como a melhor de todas porque os critérios de avaliação são essencialmente baseados no aspecto global e na originalidade.

Como nota final e para terminar com alguma graçola, revelo que este artigo ia ter outro título: "Será necessário formação técnica para ser artista da macrofotografia?", mas receei que o conceito de “artista” pudesse ter uma leitura menos séria associada a certos indivíduos que proliferam nos sites de fotografia e redes sociais. E como é do conhecimento geral, estes "artistas" raramente precisam de formação... :)

© Paulo Torck - Janeiro de 2014